segunda-feira, 31 de julho de 2023

Matrix X 1984 – Qual dessas possibilidades é a mais provável?

 

Faz tempo que não escrevo nada aqui. Ontem assisti novamente ao primeiro filme da trilogia Matrix. Interessante quando a gente faz um paralelo entre essa joia do cinema e o livro 1984, de George Orwell. Por sinal, também virou filme. Em Matrix, o mundo é controlado por máquinas. As pessoas têm a sensação de estarem livres, de viverem as suas vidas, mas, na realidade, tudo é virtual. Em 1984, as pessoas são controladas pelo Estado, à semelhança de uma ditadura nazista ou comunista das mais totalitárias. Em Matrix, Morpheus revela que tudo começou quando o homem criou a inteligência artificial, que acabou por evoluir ao ponto de criar autonomia e controlar tudo. No Estado totalitário de George Orwell, o “Grande Irmão” a tudo vê e controla; cada passo do cidadão é monitorado. Na sua opinião, qual dessas possibilidades é a mais provável? Estamos mais próximos de qual delas? Ou será tudo obra de ficção?



sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Inteligência emocional e virtude


Curioso quando a ciência vem concordar, ainda que de forma acadêmica, com os sábios do passado, sejam eles de origem chinesa, indiana, árabe, grega, romana ou cristã. Fala-se muito hoje em “inteligência emocional”, no passado, falava-se em virtude da paciência, mansidão, equanimidade, etc. A sabedoria pedia cuidado e reflexão antes de tomar uma atitude precipitada, etc. A tal história de que não se pode conter uma pedra atirada, uma flecha lançada ou uma palavra dita. O certo é que pensar bem antes de agir é uma forma excelente de se evitar maiores problemas e desastres. Inteligência emocional não é exatamente a mesma coisa que a prática virtuosa da prudência, mansidão e da paciência, pois elas partem de pontos e motivações distintas, mas obtêm resultados bem semelhantes...

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Inteligência artificial: avanço ou ameaça?




Artigo publicado no Semanal Alagoas Agora, edição de 12 a 22 de abril de 2018, ano 1.

* Marcos Antonio Fiorito

A ficção científica tem nos apresentado um mundo futurista repleto de avanços tecnológicos e científicos que tornam a vida dos seres humanos muito mais cômoda e prática. Porém muita coisa que os filmes no passado retratavam a respeito do futuro já se tornaram realidade no presente: telefonia celular, redes sem fio, comunicação sem custo intercontinental (seja por voz ou vídeo), drones, naves ultrassônicas, TV slim, internet e seu universo fascinante, carro elétrico, carro a hidrogênio, carro autônomo, máquina de passar roupa, robôs que cozinham, robôs que cortam árvores, robôs atendentes, estacionamento munido de aparato mecatrônico que empilha os carros automaticamente, cadeira voadora, drone que transporta um homem, etc.

Porém a face cor-de-rosa da tecnologia futurista começa a abalar e preocupar seriamente os humanos quando os “profetas” da inteligência artificial apontam para o fato de que até 2030 metade dos empregos existentes hoje podem desaparecer. E para o CEO da Mercedes, Daimler Benz, o panorama é ainda mais assustador: em 20 anos, 70/80% dos empregos irão virar pó[1].

Não é novidade para ninguém que os aplicativos de transporte de passageiros como o UBER, Cabify e 99 Táxi enfureceram os taxistas e, sem dúvida alguma, os prejudicaram seriamente, ainda que tenham facilitado a vida dos cidadãos. Porém os carros autônomos, dentro de alguns anos, irão substituir todos eles, inviabilizando esse tipo de trabalho. Para as empresas que detêm os aplicativos, isso se traduz em ganho 100%, já que não precisarão dividir nada com os motoristas parceiros.

Atendentes robôs começam a ser implantados em restaurantes de fast food, diminuindo drasticamente o número de funcionários. Basta um ou dois que fiquem no local a fim de monitorar e resolver situações imprevisíveis.

Veicula-se pelas redes sociais e WhatsApp imagens de um robô cozinheiro que prepara pratos com espantosa perfeição. Basta você escolher o prato do cardápio que em poucos minutos você tem seu pedido pronto.

Máquinas voltadas para a área de construção civil já são capazes de levantar paredes, rebocá-las e fazer todo o acabamento, incluindo massa fina e pintura. No mesmo segmento temos as impressoras 3D de tamanho gigante, capazes de fabricar uma casa inteira de até 40 metros quadrados, sendo que já estão trabalhando em cima de uma maior, que pode “imprimir” uma casa com metragem superior.

Recentemente, uma câmera de reconhecimento facial prendeu um criminoso na China durante um show com milhares de pessoas. Inclusive óculos de reconhecimento facial começam a ser usados pela polícia desse país munidos de um espetacular banco de dados.

Softwares desenvolvidos para o seguimento de saúde e direito estão ameaçando concretamente os profissionais dessas áreas nos EUA pela perfeição com quem ajudam a apontar diagnósticos e soluções advocatícias.

Qual será o impacto disso tudo dentro de alguns anos? Quantos perderão o seu emprego? Quanta infelicidade isso gerará? Será que assistiremos, como nos filmes futuristas, hordas de seres humanos vivendo miseravelmente nos subterrâneos das cidades enquanto a superfície apresenta construções imponentes, ultramodernas, erguidas com tecnologia de ponta e ostentando riqueza? Não levaremos muito tempo para descobrir... Quem viver, verá!

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com



[1] Disponível em: <http://providersolutions.com.br/o-futuro-da-vida-pelo-ceo-da-mercedes-benz/?doing_wp_cron=1523741857.1905140876770019531250>. Acesso em: 14 abr. 2018.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Independência e Inconfidência

Eduardo de Sá [Public domain], via Wikimedia Commons
Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 11 a 17 de setembro/2017 | Ano 11 – Nº 793. 

* Marcos Antonio Fiorito

Há poucos dias, os brasileiros assistiram em inúmeras cidades do País a desfiles e comemorações dos 195 anos da nossa gloriosa independência. E sempre que se celebra o 7 de setembro, é impossível não se lembrar que entre as diversas tentativas dos nacionais de se desgarrarem de Portugal, a mais célebre e marcante foi a da Inconfidência Mineira. Por isso o mês de setembro também é uma boa ocasião para recordar-se de como os fatos se deram naquela ocasião.

Antes de mais nada, é preciso dizer que, além de motivos políticos ligados à revolta para com a Derrama (será explicada mais à frente), havia também um influxo de ideias iluministas que chegavam até o Brasil, em boa medida, através de filhos de colonos ricos que iam estudar em Coimbra. De maneira que além da crise que assolava a administração portuguesa, o iluminismo encontrava na colônia terreno fértil para semear suas ideias libertárias.

A Crise do Antigo Sistema Colonial português deu-se por vários motivos. Interessante ter presente que a ascensão do Marquês de Pombal – figura controversa – contribuiu significativamente para que houvesse muitos colonos descontentes. Na tentativa de modernizar o sistema político e mercantilista português, Pombal agiu de forma bastante arbitrária em seu governo, causando insatisfação tanto em Portugal quanto nas colônias.

Além de tudo, houve um claro distanciamento entre o reino e os seus súditos colonos; e a mão pesada da política fiscal portuguesa fez-se sentir no Brasil dolorosamente, sobretudo na Capitania de Minas Gerais, por conta da extração do ouro. A região era castigada por uma elevada carga de tributos, porém, como nem sempre a quantidade de ouro destinada ao reino era repassada à metrópole, Pombal criou a Derrama, que se tratava de uma cobrança obrigatória que envolvia todos os bens dos mineradores. A Derrama só seria aplicada no caso de que a quota de 100 arrobas de ouro, ou 1500 quilos, não fosse repassada à Coroa.

No Brasil, havia limitação comercial, pouca participação dos luso-brasileiros nas decisões do reino e abusos de toda ordem por parte dos funcionários da Coroa. O fato é que a distância aumentava e os colonos sentiam-se desamparados. Houve muitas manifestações de revoltas nas ruas da colônia, cuja multidão armada exigia fim de algum tributo ou a demissão de algum governante que agia com abuso de autoridade.

 A soma de todos esses fatores, unida aos ideais iluministas e republicanos, levaram a que alguns membros da elite mineira, em 1788, organizassem um movimento contra o domínio português. Tal movimento passou para a História como “Inconfidência Mineira”. A palavra inconfidência pode ser traduzida como infidelidade, e, com efeito, houve infidelidade à Coroa portuguesa.

Entre os inconfidentes, havia verdadeiras personalidades da cultura e sociedade mineira, como Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e, inclusive, sacerdotes. Muita gente desconhece, mas o membro de menor importância do ponto de vista socioeconômico era, justamente, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

O plano dos inconfidentes era, em síntese, aguardar a oficialização da Derrama – que se daria em fevereiro de 1789 – para, então, dar-se início à revolta, que contaria, inclusive, com o apoio dos Dragões. Tiradentes se encarregaria de assassinar o Governador, o Visconde de Barbacena, e uma república independente seria proclamada.

No entanto, o inconfidente Joaquim Silvério dos Reis, atraído pela ideia de ter sua dívida com a Coroa perdoada, entregou os inconfidentes, de sorte que a tentativa acabou malograda. Joaquim José da Silva Xavier foi morto e esquartejado. Os outros foram desterrados para as colônias portuguesas da África.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Você sabe o que é ócio criativo?


  photo credit: L'art au présent BERNARD Emile,1888 -
Madeleine au Bois d'Amour (Orsay) - Detail 2
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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 14 a 20 de agosto/2017 | Ano 11 – Nº 789.

Marcos Antonio Fiorito *

Estamos acostumados a ouvir que “o ócio é o pai de todos os vícios”. Em outra versão, “a preguiça é a mãe de todos os pecados”. Será que podemos fazer uma distinção do ócio enquanto sinônimo de preguiça e do ócio enquanto um período de inércia que é neutro e ainda não contaminado pela languidez? Provavelmente, sim! Antes que algum leitor menos versado em letras interrompa a leitura e recorra a um dicionário para saber o significado de languidez, adianto-lhe aqui, poupando-o do trabalho. Lânguido é aquele que está abatido, sem forças, frouxo...

Estamos sendo protagonistas de uma civilização que há pelo menos um século e meio vive num ritmo desvairado. E quanto mais avançamos tecnologicamente, mais corremos, mais desvairados somos. Imaginar como era lentíssima a comunicação em pleno regime feudal, durante a Alta Idade Média, quando os mares estavam empesteados de piratas árabes, fazendo incursões na costa da Europa, as fronteiras indefinidas e as cidades muradas! Levou um certo tempo até que venezianos e genoveses se encarregassem de limpar o Mediterrâneo, enquanto os portugueses e espanhóis expulsavam os mouros de suas terras. Só assim foi possível estabelecer um comércio mais dinâmico entre as nações europeias e existir uma comunicação mais rápida entre elas, o que não quer dizer muito para os moldes atuais...

De tanto correr, corre-se hoje sem saber a razão de tanta pressa. E, com isso, o homem moderno deixa de lado momentos de quietude que são necessários ao equilíbrio mental. A psiquiatria e a psicologia têm cuidado constantemente de pacientes com sérios problemas de fadiga por conta de uma espécie de hiperatividade mental. São pessoas cujos cérebros trabalham como se estivessem ligados no 220v, mentes que não conseguem descansar, ainda que dormindo – ou tentando dormir...

E a grande realidade que está concernida nisso tudo é que a porcentagem da população que convive com tal problema não é nada desprezível. Pelo contrário, o número de hiperativos mentais só cresce.
Em contrapartida, a ciência começa a olhar com bons olhos para aquela ociosidade boa que permite ao ser humano dar oportunidade para a criatividade. Isso mesmo! Quando o homem equilibra bem o seu tempo e dá a si mesmo chances de contemplar, de ficar inativo por alguns instantes, ele é recompensando pela criatividade. Daí surgem muitas ideias que beneficiam a todos nós, que nos trazem melhorias e descobertas sensacionais.

O ócio criativo é inimigo da atividade improdutiva. O que mais vemos hoje é gente que não consegue mais meditar, não consegue mais contemplar, vive o tempo todo se ocupando para fugir de um estado de equilíbrio mental saudável que é indispensável para a nossa psique. Exemplo disso nós temos quando entramos no metrô e vemos 80% dos passageiros com seus smartphones nas mãos. Uns navegam na internet; outros conversam pelo WhatsApp; os mais novos, mergulhados em jogos, dedilham a tela de forma alucinante; homens de negócios respondem a e-mails e aproveitam para fazer ligações, etc. Enfim, nota-se hoje que sentar e tirar o celular do bolso e começar a deslizar o dedo na tela já se tornou um hábito comuníssimo.

O termo ócio criativo tem um “pai”, e ele se chama Domenico de Masi. Interessante ver que para ele o lazer tem um papel primordial se unido ao estudo e trabalho. E para concluir este artigo, nada mais justo que encerrá-lo com uma frase perspicaz do eminente sociólogo e cientista italiano: "Existe um ócio alienante, que nos faz sentir vazios e inúteis. Mas existe também um outro ócio, que nos faz sentir livres e que é necessário à produção de ideias, assim como as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade."

Vamos tirar o chapéu para o Professor de Masi, porque ele, sem dúvida, merece!

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sábado, 8 de julho de 2017

Uma sociedade que nos impele a ter e não ser

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Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 26 de junho a 02 de julho/2017 | Ano 11 – Nº 782.

Marcos Antonio Fiorito *

Quem teve a dita de ler a obra simples, mas cheia de inocência e sentido, de Saint Exupery, “O pequeno príncipe”, conhece bem a frase: “O essencial é invisível aos olhos”. Apesar de a frase ser de todo bela e para lá de verdadeira, infelizmente nossa sociedade está longe de concebê-la como lema e, sobretudo, vivenciá-la.

Quem nunca ouviu de algum familiar, quando criança, que “é preciso levar vantagem em tudo”? Ou “o mundo é dos espertos, os bobos ficam para trás!”. Porque, em realidade, importa ter e não ser. A régua que mede a felicidade segundo o mundo hodierno é possuir dinheiro e bens o suficiente para que se possa ostentar e ser tido por todos como alguém importante. Quando “importante” virou sinônimo de ser rico ou classe média alta. Você é alguém quando tem dinheiro suficiente para gastar e, melhor ainda, luxar. Faz lembrar do cantor sertanejo que quando era motoboy, via-se desprezado por muitas garotas, no entanto, quando apareceu nas ruas de sua cidade com um carro bastante caro e prestigioso, viu “chover em sua horta” muitas candidatas, incluindo as que o desprezavam antes por conta de sua profissão anterior. O fato foi, inclusive, tema de uma música sua.

Em verdade, a sociedade – hoje e em outros tempos –, exerce forte pressão para que o indivíduo tenha e não seja. A máquina de propaganda espetacular sob a qual vivemos nos impele ao consumismo exacerbado. A filosofia consumista repete o refrão de que você não será feliz enquanto não estiver rodeado de ouro e prata, de bens e patrimônios de toda ordem. Quanto mais riquezas possuir, mais chance você terá de encontrar a felicidade.

Faz-nos lembrar de uma frase corriqueira dos anos 70 e 80 que acompanhava, mor das vezes, a saudação de passagem de ano: “Feliz Ano Novo! Saúde e dinheiro no bolso, que é o que importa!”. Havia, inclusive, uma musiquinha bastante brega, que dizia: “Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!”. 

A máxima de que se deve ser mais esperto do que os outros e de que tudo vale a pena para enriquecer, ainda que de modo ilícito, justamente encontra repercussão nas pessoas pelo fato de que se acredita que é mais importante ter do que ser. São pessoas que se desfazem de princípios fundamentais, como: não roubar, não prejudicar de nenhuma forma o próximo, não lesar de nenhuma forma a nação, ser honesto custe o que custar, agir com cidadania, etc. Isso explica, perfeitamente, porque acompanhamos hoje nos veículos de imprensa brasileiros, aos borbotões, toda sorte de notícias escandalosas envolvendo empresários e políticos – metidos até o pescoço – em atos degradantes de corrupção.

Sacrifica-se o próprio caráter em troca da ostentação de valores materiais que, muitas vezes, são delapidados pelos herdeiros sem o menor escrúpulo. A vida consumista é superficial e transitória. Ninguém passa para a História porque foi muito abastado. Fala-se tanto de Confúcio, Alexandre Magno, Júlio César, Cleópatra, Nero, Pasteur, Madame Courie, Hitler, Einsten, Madre Teresa de Calcutá, Steve Jobs e tantos outros porque deixaram um legado para a humanidade, seja ele positivo ou negativo. Alexandre Magno era um homem que detinha muitos tesouros e poder, no entanto o conhecemos por sua habilidade na guerra, suas conquistas e o vasto império que formou. O mesmo pode-se dizer de Júlio César. 

A essência do ser é algo que deve prevalecer sempre sobre o que nos cerca. Ser fiel aos seus princípios, ter vida interior e espiritualidade (não só do ponto de vista religioso, mas no sentido de quem alimenta seu espírito com boas energias) traz muito mais paz e alegria do que qualquer conta recheada em banco, um belo carro e estar rodeado de gente falsa que se faz amiga por interesse. 

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Vanglória: inimiga número um dos nossos dons

photo credit: Saennebueb Architecture Spiral via photopin (license)

Artigo publicado no jornal Alagoas em Tempo, edição de 05 a 11 de junho/2017 | Ano 11 – Nº 779.

Marcos Antonio Fiorito *

Há quem pense que o maior inimigo de nossos dons, nossas qualidades, seja a inveja. Afinal, ela quer destruir o nosso potencial, devolvê-lo ao nada, pois ele incomoda o invejoso, como se queimasse as suas entranhas com alguma espécie de ácido mortífero. Ledo engano! Há um inimigo ainda mais letal que a inveja, chama-se vaidade.

Em nosso último artigo, abordamos o tema das virtudes segundo a ótica dos antigos gregos, para os quais virtude era sinônimo de um talento natural, como nos ensina o Profº Clóvis de Barros Filho. Em suas aulas sobre Ética na USP, com destacada maestria, esclarece que o grego considerava de forma bastante positiva o fato de a pessoa descobrir as suas potências e desenvolvê-las ao extremo. Sócrates foi citado como exemplo, pois antes de revelar-se filósofo, pensou em ser político ou militar.

Embora séculos tenham se passado, o desafio continua. O homem deve buscar descobrir seus dons, desenvolvê-los e pô-los em prática. No entanto, a inimiga número um de nossas qualidades está sempre à espreita do nosso sucesso: ela se chama vanglória. Ela quer nos encher de vaidade, de soberba, infectando-nos como uma bactéria nociva, a fim de transformar o bom em mau, a virtude em orgulho, o brilho em desdouro…

É comum ouvir das pessoas sensatas o seguinte comentário: “fulano é muito inteligente, fala bem, mas agora ele está cheio de ego! Tornou-se insuportável!”… Nesta mesma linha, quem nunca ouviu algum comentário desfavorável a respeito de determinado jogador de futebol que, embora muito talentoso, começa a se achar muito estrela e perde todo o seu brilho e encanto?

A propósito, o que é estar cheio de ego? Tudo começa olhando para dentro de si e se sentido superior, sentir-se acima do vulgo, julgar-se ultraespecial, muito além da capacidade “do resto”. Em pouco tempo, o admirável astro torna-se opaco, intragável e ridículo. Foi com especial acerto que certa vez disse um sábio: “a melhor forma de perder um dom é olhar para ele”. Por trás destas palavras, vê-se uma verdade retumbante! Enquanto há despretensão, o indivíduo não só encanta a todos e vira objeto de admiração, como seus dons parecem crescer ainda mais. Quando a vaidade se instala, é como uma lepra que vai deteriorando nossas carnes, empanando as virtudes e dando lugar à putrefação moral.

Em seu Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, André Comte-Sponville faz uma bela descrição da virtude da simplicidade: “O simples não se questiona tanto assim sobre si mesmo. Por que ele se aceita como é? (Isso) já seria dizer demais. Ele não se aceita nem se recusa. Não se interroga, não se contempla, não se considera. Não se louva nem se despreza. Ele é o que é, simplesmente, sem desvios, sem afetação, ou antes – pois ser lhe parece uma palavra grandiosa demais para tão pequena existência –, faz o que faz, como todos nós, mas não vê nisso matéria para discursos, para comentários, nem mesmo para reflexão. Ele é como os passarinhos de nossas florestas, leve e silencioso sempre, mesmo quando canta, mesmo quando pousa. (…) O simples vive como respira, sem maiores esforços nem glória, sem maiores efeitos nem vergonha. A simplicidade não é uma virtude que se some à existência. É a própria existência, enquanto nada a ela se soma. Por isso é a mais leve das virtudes, a mais transparente e a mais rara.”

Podemos concluir que, de certa forma, a simplicidade é exatamente a virtude adversa da vanglória. Ela protege os dons da vaidade e os torna cada vez mais viçosos e dignos de toda admiração.

* O autor é teólogo e escritor. | mfiorito21@gmail.com

Autoriza-se publicação com citação do autor!